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O Festival da Natureza da Madeira

Uma manhã de paisagens indescritíveis e tradição: Explorando a beleza da costa sul da Madeira num barco de pesca.
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Madeira. Tão Tua
Data:
out 16, 2024
Tempo de leitura:
-min
No início de outubro, tem lugar no arquipélago da Madeira um evento muito especial, que celebra a natureza e o turismo ativo. O Festival da Natureza da Madeira realiza-se anualmente, e oferece a todos uma semana repleta de aventuras ao ar livre, promovendo a atividade física e o espírito de aventura, mas também a consciência ambiental e a sustentabilidade. Do extenso programa fazem parte atividades que vão desde caminhadas nos belos percursos pedestres, a aventuras de canyoning nas nossas ribeiras, passando por atividades de ioga e bem-estar, e até passeios de barco pela nossa magnífica costa marítima. Este artigo é, precisamente, sobre um desses passeios. Venham connosco passear pela costa sul, a bordo de um “Xavelha”.

Saímos do Funchal rumo à Baía de Câmara de Lobos, faltavam poucos minutos para as oito da manhã. Este era um dia de trabalho que começava um pouco mais cedo do que o habitual, mas o entusiasmo que sentíamos superava a hora de sono perdida. A agitação no carro foi responsável por fazer-nos falhar a saída da via rápida mais apropriada ao nosso destino, mas o ditado “Todos os caminhos vão dar a Roma”, também se aplica a Câmara de Lobos. Chegámos ao nosso destino com tempo de sobra! Tínhamos encontro marcado no cais às 08h50 para o nosso passeio de barco. Para os que estão mais habituados a visitar esta baía durante a noite, para jantar, ou tomar um copo, o encanto que este lugar tem pela manhã pode passar despercebido uma vida inteira.

Nature Festival



Passear pelas ruas pitorescas, com a maioria dos espaços comerciais ainda por abrir, saboreando o despertar lento da vila, na sua calma matinal, transmitiu-nos uma serenidade incrível. Fomos a caminhar pela marginal, contornando a baía até chegarmos às escadas do cais. Os raios de sol ainda tímidos iluminavam as nossas faces expectantes, enquanto observávamos a beleza verdadeiramente única da costa e decidíamos se tomaríamos ou não um comprimido para o enjoo. No topo das escadas do cais, dávamos palpites sobre qual seria o “Xavelha” que nos levaria a passear. Fazemos aqui um aparte para explicar que “Xavelha” é o nome madeirense dado às pequenas embarcações de pesca tradicional, utilizadas pelos pescadores de Câmara de Lobos.

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Entretanto, chegavam também ao cais dois casais na casa dos cinquenta anos, para participar no passeio de barco. O “Bom dia” que recebemos com sotaque foi suficiente para percebermos que estaríamos entre madeirenses nas próximas horas, mas era também a prova viva de que o Festival da Natureza é uma celebração transversal, que envolve tanto visitantes, como locais. Entretanto, víamos uma embarcação extremamente colorida vir na nossa direção, parando junto ao cais: “Cuidado com as escadas, que isto escorrega” avisava o Sr. Rui Gonçalves, que depressa saltou bordo fora, descalço e com a destreza que só um homem do mar consegue ter, e ofereceu o seu braço para nos ajudar a todos a passar das escadas para a prancha de embarque. Apesar do mar estar extremamente calmo, a prancha parecia ter ganho vida própria e sacudia-nos animadamente. Olhámos uns para os outros e um pensamento telepático invadia-nos: “ainda bem que tomámos o comprimido”, comunicavam as nossas mentes. No momento de saltarmos para a embarcação, uma das senhoras decide que já não quer fazer o passeio. “Embalança muito e eu fico muito maldisposta”, dizia aflita. Foram necessárias várias palavras de incentivo do “capitão” e a garantia de que o barco embalançaria bem menos do que que a prancha, principalmente a partir do momento em que zarpasse, para convencer a entrada na embarcação.

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A saída da Baía não podia ter sido mais especial. Além de toda a envolvência paisagística, e da presença de dezenas de barquinhos, bem mais pequenos do que o nosso, a levitar no mar calmo, tivemos direito ao “adeus” de um lobo marinho, que entrava na enseada de Câmara de Lobos. “Este anda muito por aqui”, disse o Sr. Rui, calmamente, enquanto a azáfama para ver o animal tomava conta da sua embarcação.

Terminado o encontro com esta espécie protegida, voltámos a ocupar os nossos lugares e começámos a usufruir da viagem tranquila. O dia estava mesmo ideal para o passeio de barco. Apesar de estarmos no início de outubro, e já em pleno outono, aquela era uma perfeita manhã de verão. O plano era ir até à Ribeira Brava e regressar, percorrendo parte da bela costa sul da Madeira. Os passeios de “Xavelha” são, de resto, uma famosa atração do concelho e também uma das atividades mais concorridas durante o Festival da Natureza. Enquanto apreciávamos a paisagem marcada pelas impactantes escarpas, com ocasionais praias, refúgios perfeitos caso acesso existisse, o Sr. Rui partilhava connosco algumas curiosidades sobre o “São João de Deus”. Acontece que o barco que nos transportava era de 1936, ainda que pouco ou nada restasse da sua construção inicial, e tinha uma vida cheia de peripécias.

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Durante muitos anos foi barco de pesca, tal qual as embarcações com que ainda madruga na enseada. Décadas dedicado à pesca do atum, e outras tantas ao peixe-espada, valeram-lhe o convite para representar a Madeira e a sua tradição piscatória na Expo’98 – Exposição Internacional de Lisboa – que aconteceu em 1998, subordinada ao tema “Os Oceanos”. O “São João de Deus” fez a travessia marítima até Lisboa, que o Sr. Rui relembrou ter durado uma semana. Na altura havia dúvidas que uma embarcação destinada à pesca tradicional conseguisse realizar uma viagem de 520 milhas náuticas, mas a verdade é que o barco foi, e depois regressou para contar a história. Conversa puxa conversa e passávamos já à frente das Fajãs do Cabo Girão.

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As cabines do teleférico que ligam o Rancho à Fajã eram o sinal claro de onde estávamos. Sabiam que este meio de transporte foi inicialmente utilizado para auxiliar na agricultura? É que os terrenos à beira-mar conseguem ser mesmo férteis e ali, estendiam-se por centenas de metros. A existência de um extenso passeio marítimo possibilita a deslocação de agricultores e curiosos até à praia do Cabo Girão e à sua zona agrícola, que fica mesmo por debaixo do Miradouro do Cabo Girão e do seu monumental cabo, com 580 metros de altura, o mais alto da Europa. Observar este promontório a partir do mar é quase mais intimidante do que enfrentá-lo do cimo dos seus quase 600 metros.

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O mar continuava calmo e só nosso, sem qualquer movimento no nosso ângulo de visão, até que outro lobo marinho irrompe das águas calmas e translúcidas. Esta visão foi menos clara e mais fugaz do que a primeira… este era, provavelmente, um lobo-marinho mais tímido, mas o Sr. Rui conseguiu tirar-lhe as medidas: “este é maior do que o que vimos na Baia”, revelava. Maior ou não, não voltou a aparecer, por isso seguimos a velocidade de “Xavelha” para mais uma Fajã.

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O mar transparente quase refletia a paisagem em espelho quando nos aproximámos da Fajã dos Padres, um éden escondido, ainda que cada vez mais conhecido por todos. Observado a partir do São João de Deus, é quase como uma plantação verdejante a flutuar no mar. São árvores de fruto, flores… um oásis de vida que parece brotar do calhau e que torna a paisagem ainda mais especial. Apeteceu-nos a todos ficar por lá, mas a viagem prosseguia. Passaríamos ainda pelo Calhau da Lapa, atualmente sem acesso, e faríamos inversão de marcha na praia da Ribeira Brava. A viagem de regresso aconteceu mais longe da costa, o que permitiu um plano geral sobre a grandeza da nossa costa. Eram agora 11h30, e a manhã de temperatura amena deu lugar a um dia bastante quente. Estendemos as mãos fora do barco e tentámos tocar na água… estava incrível! A temperatura perfeita para um mergulho que não podíamos dar, mas que teriam a sorte de desfrutar todas as pessoas de férias na nossa bela ilha.

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O passeio estava mesmo a terminar e, ao chegarmos a Câmara de Lobos, o nosso “comandante” dizia, com razão: “Bem-vindos à mais bela baía do Mundo”. Pulávamos fora do barco com a certeza de que a Madeira oferece não só paisagens deslumbrantes, mas também proporciona momentos incomparáveis de conexão com a natureza e as tradições do seu povo.
Cartaz Oficial
Festival da Natureza

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